Pedido de desculpas, singulares encontros


      Tarefa mas difícil do que enfrentar as tardes quentes na cidade de Goiânia todas as segundas-feiras dos meses de agosto e setembro, é sem dúvida um pedido de desculpas geral que me atrevo nesta noite igualmente quente na Capital Federal. 
      O que não tem saído da minha mente desde a tarde da última segunda-feira é o pedido desculpas que a senhora de Goiás Velho, minha nobre cora de "coração doce", que tão levemente no poema "Pablo Neruda (I)" de seu livro entitulado Livro de Cordel pediu desculpas ao poeta chileno Pablo Neruda, por não o ter conhecido nem quanto poeta, nem como pessoa. Por ter percebido a dissonância de sua obra poética no tempo, sem a existência daquele. Me deparei com este texto naquela tarde seca, lido durante uma aula de literatura na PUC-Goiás. O colega se chama Leôncio, professor de literatura, e veio abrir caminho para a exorcizar alguns dos meus fantasmas.
     Fiquei pensando, quantas desculpas devo e a tanta gente... Meu Deus! E esta comparação é até plausível, digamos, sou da esfera de Letras e tantas vezes me deparo com textos novos de autores conhecidos e até mesmo textos velhos de autores que não sabia. Nesta hora percebo como a sapiência desta mulher com seus doces e pães em versos de Goiás Velho me instiga desde a tarde aquela tardede  a escrever meu pedido de desculpas, é realmente chegada a hora.
     Ao longo da minha vida, desde que me formei no curso de letras, arrasto em meu encalço um caminhão delas. Tem hora que me pergunto como. Como conviver com a presença de tantos nomes ímpares da literatura sem mostrar minha produção poética?
      São tantos textos escritos e não escritos, relatos, cartas, peças, tratados, noites mal dormidas em busca desta palavra latente que pulsa dentro de mim. Da palavra certa, da palavra errada, maldita, bendita, rasgada, suja, leve, complacente, indecente, da palavra semente ou da palavra nua de sentidos, simplesmente. 
       Meus amigos de poesia, poetas da minha cidade Alen, Cacá, Isolda, Sylvia, Dora, Elton, Leonardo, Nikolas, Ruiter, Menezes, Amneres, Jorge... como pedir desculpas agora? Tantas horas inúteis em que não gastei com a poesia, com meu verso, honrando este direito interno tão meu, e que de tão interno, tantas vezes se quedou desperso e perdido nas minhas tramas, nos meus dramas. Permaneceu tantas vezes revoltado, quis até estar preso e amordaçado, sem motivo aparente. A não ser, a própria busca de sentido.
      Me recordo do primeiro encanto pela palavra, pela semente lançada de leve que em mim começou com o gosto pela canção popular e mais tarde com os versos de Drummond, Cecília e a literatura de Cordel. Como descrever o sabor primeiro de tudo isto me meus lábios de menina, moça e já mulher que principiava nas letras e organizava saraus nas residências do Guará, onde sempre residi desde menina. Logo depois minha carreira como educadora e meu gosto em mostrar aos meus estudantes a palavra e esconder tantas vezes a minha. Como não reconhecer que esta geografia desenhada por minha mãos, por minha geografia poética desejosa, é também minha busca pela palavra...
       O encontro de almas sensíveis na estrada da busca da escrita é o que sem dúvida me faz crer que nunca, de fato, esta busca foi em vão, como na canção " Guardanapos de papel" tão bem interpretada por Milton Nascimento em Tambores de Minas. Recordo do encontro com Ferreira Gullar, Elisa Lucinda, Adélia Padro e principalmente com meus amigos, alguns aqui citados, com os quais partilho o pão-palavra nesta cidade (os represento neste texto com esta imagem da atriz e hoje produtora de cinema Bruna Lombardi e Cora Coralina). Em Brasília dividimos nossa história e o desejo de mudanças sociais que carregamos juntos ou separados. Desejos que, na verdade, eram nossa própria mudança interna, sendo burilada pela palavra ou em afetos vários, adquiridos ao longo de nossa trajetória.
       Minhas desculpas, são agora o meu reconhecimento para tantos com os quais convivi e convivo. Minha Geografia, me segues que te sigo...Te dou meu sorriso!
          

PABLO NERUDA (I)
Perdoa-me poeta.
Tão tarde o conheci!
Tantos cantores do mundo...
Para minha ignorância
eras mais um dentre eles.

Foi assim que não pedi a Deus
poupar-te a vida
e ficares para sempre
semente viva, incorruptível,
de beleza excelsa e universal.

Ninguém me disse antes.
Ninguém me disse nada.
Ninguém me fez a doação fraterna
de um livro teu.

Perdida no meu sertão goiano,
Só o teu nome, Pablo
Só o teu apelido crespo, Neruda,
Chegaram a mim...
E eu a pensar que foste apenas
um grande poeta entre outros grandes...

Foi assim que não pedi ao Criador
Poupar-te a vida
e ficares para sempre.
Semente viva e luminosa,
sementeira e semeador,
semeando o pão e o vinho
da tua poesia
na terra faminta, desolada e triste.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Vício poesia

Roxane no fim do inverno

Um poema, a La Cecília Meireles, que amo...